Lima Barreto, escritor maldito.
Afonso Henrique de Lima Barreto, nascido em 13 de maio de 1881, sexta-feira, no mesmo ano de publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado, e O Mulato, de Aloízio de Azevedo, foi o romancista brasileiro do começo deste século que mais olhou para sí mesmo para escrever.
"Um personagem de fronteira. Alguém que habitou o limiar de realidades e mundos diferentes, e por esta razão, abrigou em si uma cota de contradições e conflitos. Afinal, nascido mulato em uma família de mulatos, recebeu tão rica educação e requintado ensino escolar, que no final de contas, nem bem pôde ser um mulato, nem bem foi um branco."
( in Morais, Régis. Lima Barreto - O Elogio da Subversão, 1983)
Quando nasceu o futuro romancista de Clara dos Anjos, ainda existia a escravidão negra no Brasil. Para ele, mulato pelo lado materno, essa visão de cativeiro deve ter sido de dramática importância, "comprometendo a sua imaginação". Atente-se no que é negro e o mulato quase às vésperas da "Abolição" e se perceberá como será fácil, devido a essa "versão negra" primeira, a entrada do desalento - ao menos no campo racial - no viver de Lima Barreto. No seu Diário Íntimo, ele já adulto, já sofrido e com o orgulho cansado, lê-se esta queixa, qual gemido: " É triste não ser branco."
Sua obra, então, como ele propõe no primeiro capítulo Histórias e Sonhos, irá, "difundir" as grandes e altas emoções em face do mundo e do sofrimento dos homens". No entanto, apesar de ter na voz a dramaticidade e o fogo dos que rebelam, apesar de ter voltado para o povo e a porção mais humilde dele, foi um autor popular. Por que? Citamos, apenas como instigação, a explicação de Olívio Montenegro, no O Romance Brasileiro, de 1953:
"Faltou a Lima Barreto uma imaginação livremente conceptiva que valorizasse a um ponto de criação fatos e cenas e figuras dos seus romances; que depurasse mais idealisticamente o seu espírito de revolta, que em suma, o libertasse daqueles complexos que as injustiças sociais costumam criai nos mais fortes e orgulhosos. E a contínua reação desses complexos o leitor facilmente descobre através de toda a obra sincera de Lima Barreto. Nos personagens que ele se interna com o gosto quase masoquista de uma segunda encarnação. No mais fiel deles, que se chama Isaias Caminha. São complexos que têm a sua história".
Mas Lima sabia o poder de transfiguração que tem o romance como obra de arte. Assim escreve, em Bagatelas:
" Tendo passado por diversos meios os mais desencontrados possíveis, eu me julgo conhecedor bastante das coisas deste mundo para, com os elementos da vida comum, organizar uma outra, dos meus sonhos, com a qual minore, só no criá-la, a mágoa eterna e inapagável que haja talvez em mim e me turve as alegrias ítmimas."
Apesar da vida irregular beirando a tragédia, Lima Barreto escreveu bastante: romances, crônicas, contos, artigos em jornais, autêntico trabalhador de Letras.
Faleceu em 1º de Novembro de 1922, no Rio de Janeiro, de colapso cardíaco, dois dias antes do pai. Com a sua morte desaparece o último " grande mulato" da Literatura brasileira, o último da literatura oficial. Fecha-se o ciclo que - fossem outras as circuntâncias - iniciaria o escritor negro em alto número nos rumos de uma escrita marcando o seu "particularismo racial" e as consequências desse particularismo. Lima Barreto morre em 1922, marco inicial - ao menos oficialmente - do Modernismo o Brasil. No entando, o Modernismo não verá aparecer misturada às vozes de Mario de Andrade, Menotti del Pichia, Oswald de Andrade, Jorge de Lima, e depois, Jorge Amado - entre tantos outros - a voz do negro. Após a morte de Cruz e Souza, em 1898, podemos falar mesmo de um amplo silência de poetas negros até o aparecimento de Lino Guedes em 1926. O negro cala-se nas primeiras décadas da República. Produção Nula.